Sessenta anos de Economias – Por Ângelo Cavalcante

Em 13 de agosto de 1951 foi instituído pelo então presidente Getúlio Vargas (1883-1954), o principal representante do trabalhismo brasileiro, a profissão de economista. Imediato pós-guerra, os anos de 1950 revelam grandes e fundamentais influências para toda a história nacional. De certa forma, se pode afirmar que um Brasil diferente renasce na década de 1950, até porque e a bem da verdade os cinqüenta nasce politicamente em 1930, sobretudo a partir do episódio conhecido como a revolução brasileira e que viria transformar profundamente a própria face econômica do país.

Os ventos tormentosos dos acontecimentos internacionais de então, sopravam forte pelo país no período supracitado. Diga-se de passagem, que o mundo europeu, nos anos de 1950, ainda buscava fazer assentar as espessas cinzas da Segunda Guerra Mundial por meio, sobretudo, de um invento intervencionista chamado Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State, o que em breve passagem, seria enfim, um sistema econômico centrado na livre empresa e maciça presença estatal na promoção de benefícios sociais. Uma compensação aos europeus pelos dramas e flagelos da Segunda Grande Guerra? De certo que sim, mas e, sobretudo, a expressão concreta de uma concepção de Estado e de economia de tipo diferenciado e que passara a existir a partir de então.

Outra importante e definidora influência a ser considerada neste período é a divisão do mundo em dois grandes blocos de influência a seccionarem o mundo. De um lado, sobretudo em sua parte ocidental, o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos e de outro, a única nação do mundo a industrializar-se fora do capitalismo, a União Soviética a liderar o bloco dos chamados países socialistas ou o que alguns analistas irão chamar contemporaneamente de capitalismo de estado. Este arranjo político e militar planetário seguiu disputando a geopolítica mundial por mais de quarenta anos. Construindo e reconstruindo fronteiras, produzindo guerras, formas totalitárias de governo, fazendo e perfazendo golpes militares, gerando instabilidades sociais e políticas mundo afora, legitimando regimes despóticos e pseudo-democracias do Curdistão a Guatemala e, enfim, ensaiando toda sorte de cenários a fim da efetivação dos respectivos predomínios políticos e econômicos. Em um paralelo possível, o ofício da economia no Brasil irá necessariamente nascer banhado exatamente com essas influências sociais e políticas.

Como já dito, a Revolução dos anos de 1930 é um marco fundamental para a compreensão do Brasil conseqüente. Promove, por seu turno e sob a liderança de Vargas, a retirada das oligarquias agrário-exportadoras do poder e que por quatro séculos governaram o país. Conta Bresser Pereira em seu clássico Desenvolvimento e Crise no Brasil: “O governo que se instaurou a partir de 1930 identificava-se com os ideais de renovação da política e da economia brasileiras e enfrentou desde logo a oposição feroz da aristocracia e das classes médias tradicionais brasileiras, vendo-se obrigado, especialmente quando essas classes tentaram retomar o poder a partir da Revolução de 1932, a buscar apoio nas classes novas que emergiam: no proletariado urbano, a que atendeu com uma extensa legislação trabalhista, na nova classe média, à qual continuou a beneficiar com empregos públicos, e na classe emergente dos empresários industriais. Em relação a esta, o novo governo adotou logo uma política nitidamente industrializante”. De outro modo, a Revolução de 1930 redefine por meio de uma profunda ruptura política o próprio centro da economia. É este embornal de acontecimentos, ainda hoje pouco compreendido para a maioria dos analistas, que irá transversalizar a própria fundação da economia como atividade profissional.

Importante registrar ainda as filiações teóricas do pensamento econômico brasileiro a partir dos anos de 1930 – período fundamental para o surgimento da indústria brasileira. Segundo Bielschowsky[1][1]: As décadas de 30, 40 e 50 são o período básico de implantação do sistema de implantação do sistema industrial brasileiro. Nessa época ocorreu uma rápida e profunda divisão do trabalho nacional, através de um processo que introduziu e disseminou, em parcela significativa do sistema produtivo em transformação, o progresso técnico mundial, até então praticamente confinado aos limites do comércio exterior do país.

No, sempre pródigo de análises, período que envolve o assim chamado processo de substituição de importados, termo desenvolvido por economistas da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) para descrever um processo interno de desenvolvimento e que resulta na dinamização, crescimento e diversificação do setor industrial urge dar visibilidade para os pensamentos econômicos predominantes, bem como para os seus principais porta-vozes. Já naquela altura as posições das correntes neoliberal e desenvolvimentista se achavam visivelmente definidas. Nomes como o de Eugenio Gudin, que viria a ser Ministro da Fazenda do Presidente João Café Filho no período de agosto de 1954 a abril de 1955, Daniel de Carvalho, Octavio Gouveia de Bulhões, posteriormente, Ministro da Fazenda na Presidência de Humberto de Alencar Castello Branco no período de abril de 1964 a março de 1967, Dênio Nogueira e Alexandre Kafka representavam o pensamento neoliberal de então e marcado, sobretudo, pela vigorosa defesa da estabilidade monetária.

Neste particular, atenção especial deve ser dada para o economista Roberto Campos (1917-2001) que, considerando ter sido bastante influenciado pelo sistema de mercado, foi o criador do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952, instituição financeira federal concebida para contribuir com o desenvolvimento dos setores básicos da economia nacional, em seus segmentos públicos e privados, além de ter sido formulador e um dos principais executores do Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1960) – plano de desenvolvimento e que previa investimentos estatais em setores estratégicos como transporte e produção de energia. Por mais surpreendente que possa parecer, Campos é admitido como sendo um economista desenvolvimentista.

A corrente desenvolvimentista, por sua vez, sustentava que a industrialização do Brasil era a forma possível de viabilizar o país e superar a pobreza e o atraso a qual estava submetido o povo. Neste sentido, é importante considerar que os desenvolvimentistas jamais podem ser compreendidos ou identificados como sendo uma categoria homogênea. Eram divididos entre desenvolvimentistas dos setores público e privado. Para o primeiro grupo, figuram originalmente, nomes como o de Barbosa Carneiro, Horta Barbosa, Macedo Soares, Anápio Gomes e Aldo Franco. Este, indubitavelmente, será o embrião da corrente desenvolvimentista nacionalista e que irá mudar os rumos da economia brasileira.

Os pertencentes ao setor privado por sua vez, tinham como principais expoentes nomes como o do engenheiro, empresário, historiador e político brasileiro Roberto Simonsen (1889-1948), o principal líder empresarial do país e grande ideólogo da industrialização nacional, Euvaldo Lodi, parceiro de Simonsen na CNI (Confederação Nacional da Indústria), Jorge Street e Morvan Figueiredo.  Finalmente, o nome de Celso Furtado (1920-2004) irá figurar, no dizer de seu discípulo Chico de Oliveira, como um dos principais demiurgos do pensamento social e econômico brasileiro. Economista, criador da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), ministro de Planejamento no governo de João Goulart, diretor da CEPAL e do então BNDE (atualmente BNDES). Fora autor de obras fundamentais para a própria maturidade da ciência econômica praticada no Brasil, tais como: Formação Econômica do Brasil (1959), A Pré-Revolução Brasileira (1962), Subdesenvolvimento e Estagnação Econômica Brasileira (1966), Um Projeto para o Brasil (1968), A Fantasia Organizada (1985), dentre outros. Após o golpe militar de 1964, teve seus direitos políticos cassados e tendo de exilar-se partiu para lecionar na Sorbonne, em Paris, em universidades como a de Washington nos Estados Unidos e em Cambridge, na Inglaterra.

Foi, juntamente com o argentino Raul Prebisch (1901-1986), um dos principais ícones do pensamento estruturalista e que defendia uma perspectiva diferenciada nos processos de compreensão dos problemas econômicos. Para o estruturalismo, corrente de pensamento nascida a partir dos trabalhos da CEPAL o desenvolvimento era entendido a partir dos obstáculos estruturais e que impediam um crescimento mais expressivo dessas economias. Celso
Furtado é um dos grandes referenciais teóricos da economia brasileira e ainda hoje inspira um sem-número de economistas no Brasil e no mundo.

Este rápido apanhado historiográfico acerca da ciência econômica objetiva revelar as têmperas sócio-históricas e que, inexoravelmente, compõe esta profissão. É complexa por sua natureza, dialógica em todos os seus estatutos e promissora em criatividades, imaginações e possibilidades no permanente e inconcluso processo de melhoramento da sociedade brasileira. A economia é, sem sombras de dúvidas, uma lúdica e salutar provocação aos mais nobres e altivos anseios e inspirações humanas e que, de fato, acreditam na humanidade em sua inconclusa autoconstrução. Por isso a saudamos com veemência e fervor: Viva os economistas do Brasil!

* É Economista, cientista político, editor do jornal BOLETIM ECONÔMICO e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara.

[1][1] Bielschowsky, Ricardo. Pensamento Econômico Brasileiro: O Ciclo Ideológico do Desenvolvimento – 5ª. Ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.

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